Há tempos carrego comigo um excelente
estudo sobre o ecoturismo que muito esclarece a respeito da relação - ora
conflituosa, ora harmoniosa - entre homem e natureza nos dias de hoje. Se trata
do artigo "Ecoturismo: discurso,
desejo e realidade", escrito pelos pesquisadores Rita Mendonça e
Zysman Neiman. Neste post trago alguns trechos que gostaria de compartilhar, todos relativos a primeira parte do artigo
intitulada "Visitar a natureza hoje". É uma leitura que vale o
tempo investido. Peço perdão aos pesquisadores quanto às minhas escolhas dos
trechos, assim quanto aos títulos que usei para pontuar alguns deles.
"Ecoturismo:
discurso, desejo e realidade"
Visitar
a natureza hoje
Uma
gradativa mudança de mentalidade

As áreas naturais selvagens vêm sendo
eliminadas durante toda a história da humanidade. [...] O interesse por elas
vem crescendo à medida que suas extensões vêm diminuindo. Não se trata de um
fenômeno cultural isolado. Em todas as regiões do mundo encontramos indivíduos,
discursos e instituições preocupados e ativos em relação ao significado e as
conseqüências do desaparecimento dos ambientes e das espécies silvestres.
[...] O fluxo natural das coisas vai
revelando o que de fato tem importância para nós. O crescimento do número de
visitas às áreas naturais nos últimos anos vem possivelmente nos mostrar que,
tal como da arte, precisamos do contato com a Natureza, com a nossa fonte de
vida.
A
importância simbólica da natureza selvagem

mundo, na floresta. Ela contém, portanto, todos os obstáculos que devemos enfrentar e superar para nos tornarmos reis e rainhas, autores de nossa própria história pessoal. Que seria de nós se não a tivéssemos, perto ou longe, para nos dar a esperança de um dia nos tornarmos dignos de nossa rica experiência humana? A floresta simboliza o próprio processo de aprendizado da vida. Ela dá sentido às atividades humanas. Ou melhor, ela nos faz questionar o sentido do que fazemos.
Humanizando
espaços: o medo do desconhecido
Desde o Neolítico, com a descoberta da
possibilidade de interferência nos processos naturais, domesticação e o cultivo
de espécies selvagens, pudemos enfrentar, além do medo do perigo, o desconforto
(e medo também) da incerteza, de em um dia encontrar alimento e noutro
não.[...]
E assim fomos humanizando os espaços,
protegendo-nos do desconhecido. Hoje em dia, só ficamos à vontade em ambientes
urbanos ou rurais bem transformados. Mesmo o naturalista mais ousado gosta de voltar para casa e
encontrar o espaço com o qual se identifica. Fomos nos acostumando a uma forma
de viver afastada dos elementos naturais – ou pelo menos sem consciência deles
- evitando aquilo que aparentemente está contra e que vai a qualquer momento
produzir algum mal, atacar, causar doenças ou coisas nesse sentido. Ao
humanizarmos os espaços, transformamos a sociedade humana em algo muito
centrado em si mesmo [...]. Fomos, assim, nos afastando desses medos, dessas
descobertas, desses fascínios, que estão de alguma forma ocultos no
inconsciente coletivo.
A
natureza sempre nos ensina alguma coisa nova
Quando entramos em uma área natural
quase sempre nos sentimos bem, percebemos que alguma coisa muda. Quanto mais
nos aprofundamos nessa relação, nessa intimidade com os elementos naturais,
percebemos que ali há uma grande escola que nos proporciona uma das raras
oportunidades que temos para realmente evoluir. Quem já teve a experiência de, por
exemplo, caminhar por uma mesma trilha diversas vezes pode compreender isso: a
cada vez há coisas diferentes que podemos ver ou coisas diferentes em que
pensar. A situação nunca se repete, o que nos leva a refletir sobre a constante
transformação de tudo. Ao perceber isso percebemos a nós mesmos.
A
floresta ainda vive dentro de nós
[...] Veja os vídeos e programas para
televisão sobre a vida selvagem: como eles fascinam as pessoas, sejam crianças
ou adultos. Quantos seres nem sabemos que existem. Eles vivem suas vidas
completamente indiferentes a nós! Não somos tão importantes assim! Criamos um
ambiente humano mais confortável, seguro e adequado para nós, mas a ideia de que
somos os seres mais importantes do planeta simplesmente está na nossa concepção.
Não quer dizer que o mundo esteja de fato a nosso serviço.
O
contato com a natureza nos aprimora como seres humanos
Uma visita a espaços naturais, que
reflita sobre essa lógica e a questione, transforma nosso tradicional
comportamento indiferente. Ao perceber mais, ampliamos nossa experiência. O
tempo mais lento de contemplação ajuda a
percepção dos ritmos e da essência das coisas, o que é raro de se poder fazer
em ambientes humanos. Usamos muito pouco nossos atributos, como a capacidade de
percepção sensorial, a consciência, a intuição, a elaboração dos sentimentos -
coisas tão importantes para a vida cotidiana das pessoas, que vão determinar a
relação que temos com os outros, com o meio natural com nosso próprio mundo. Na
Natureza, isso é mais fácil: ao avistarmos um pássaro, uma lagarta, um roedor,
há uma possibilidade de aprimorarmo-nos como ser humano. [...]
O
anseio humano pela preservação
[...] A preocupação com a preservação
ambiental, o sentido de cuidado, é próprio da natureza humana, ou seja,
destruição e conservação são processos que serão assimilados pelo funcionamento
dos ecossistemas, independentemente de ficarmos chateados ou felizes[...]. A
ética e a estética são duas invenções humanas que explicam o anseio pela
preservação. Só sobrevivemos em função do afeto que temos pelo outro e que
origina a preocupação com os filhos, com os descendentes, com os companheiros
de sociedade, com os membros da tribo. Esse afeto, o gostar do outro, produz um
"efeito colateral" de gostar de coisas em geral, da Natureza [...] O
afeto que temos pelos elementos naturais traz a preocupação com os animais e as
plantas, fazendo com que algumas pessoas canalizem esse sentimento de cuidado e
adotem-no como causa, dedicando boa parte do tempo de suas vidas na batalha
pela sua preservação. [...]
Num
mundo de 6 bilhões de pessoas, só a natureza nos re-humanizará

A
experiência de estar na Natureza pode ser um grande laboratório para a
reformulação da questão da individualidade/individualismo nos processos
coletivos: não sabemos que experiência poderia ser melhor do que essa para as
pessoas se re-humanizarem. O espaço natural pode ser
visto como uma necessidade vital sem
o qual não se pode evoluir. Assim, ele deixa de ter apenas valor utilitário e passa a ter valor
existencial. Se ele precisa existir para que eu também exista, devo ter cuidados com ele sem esperar algo em
troca e criar uma nova perspectiva para
atividades como o ecoturismo, diferente das que existem hoje.